O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirma que investigações apontam a suspeita de que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) utilizou a estrutura do governo federal para desviar presentes de alto valor oferecidos a ele por autoridades estrangeiras.
As afirmações do ministro se baseiam em relatório da Polícia Federal e serviram de base para a decisão que autorizou operação deflagrada nesta sexta-feira (11) que cumpriu mandados de busca e apreensão relacionados ao ex-presidente no caso das joias enviadas por autoridades sauditas.
Foram o general da reserva do Exército Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, e Osmar Crivelatti, tenente do Exército e que também atuou na ajudância de ordens da Presidência.
Moraes afirma que os dados analisados pela PF indicam a possibilidade de o órgão responsável pela análise e definição do destino de presentes oferecidos por autoridade estrangeira ao presidente da República, no caso o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência, “ter sido utilizado para desviar, para o acervo privado do ex-presidente da República, presentes de alto valor, mediante determinação de Jair Bolsonaro”.
Apenas três itens supostamente desviados alcançam cerca de R$ 900 mil, nas contas da PF —cerca R$ 588 mil de um kit de joias com relógio da marca Chopard, que foi colocado a venda em uma leiloeira de Nova Iorque, mas que não chegou a ser comercializado, e R$ 333 mil de dois relógios, sendo um Rolex, que chegou a ser vendido mais depois foi recomprados para devolução ao patrimônio público.
A PF aponta, diz Moraes, “indícios de que alguns presentes recebidos por Jair Messias Bolsonaro em razão do cargo teriam sido desviados sem sequer terem sido submetidos à avaliação do GADH/GPPR [o gabinete de documentação]”.
Em um dos trechos, a PF descreve a existência de um áudio em que Mauro Cid relata a existência de US$ 25 mil (cerca de R$ 122 mil) em posse de seu pai, “possivelmente pertencentes a Jair Bolsonaro”.
“Na mensagem, Mauro Cid deixa evidenciado o receio de utilizar o sistema bancário formal para repassar o dinheiro ao ex-presidente e então sugere entregar os recursos em espécie, por meio de seu pai”, prossegue a PF.
No áudio, Mauro Cid diz, de acordo com a transcrição: “Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro levar em ‘cash’ aí. Meu pai estava
querendo inclusive ir ai falar com o presidente (…) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos, mas também pode depositar na conta. (…) Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor, né?”
O ministro diz na decisão que as diligências realizadas indicam que Bolsonaro e sua equipe usaram o avião presidencial em 30 de dezembro de 2022 para retirar do país bens de alto valor. Esses então foram desviados para os Estados Unidos e, na sequência, encaminhados para lojas especializadas em venda e leilão de objetos nas cidades americanas de Miami, Nova York e Willow Grove.
A viagem ocorreu em 30 de dezembro, véspera de seu último dia de mandato, para assim evitar seguir o rito democrático de passar a faixa a seu sucessor eleito, o hoje presidente Lula (PT).
“Os recursos, então, seriam encaminhados em espécie para Jair Messias Bolsonaro, evitando, de forma deliberada, não passar pelos mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal, possivelmente
para evitar o rastreamento pelas autoridades competentes, conforme informado pela Polícia Federal”, diz o ministro.
“A investigação identificou, portanto, até o momento, que esse modus operandi foi utilizado para retirar do país pelo menos quatro conjuntos de bens recebidos pelo ex-presidente da República em viagens
internacionais.”
O nome da operação da PF desta sexta, “Lucas 12:2”, é uma alusão ao versículo que diz: “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido”.
Em nota, a PF afirmou que a ação tem o “objetivo de esclarecer a atuação de associação criminosa constituída para a prática dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro”. As ações ocorrem dentro do inquérito policial das milícias digitais, em tramitação no STF sob a relatoria de Moraes.
Os investigados são suspeitos de utilizar a estrutura do governo brasileiro para “desviar bens de alto valor patrimonial, entregues por autoridades estrangeiras em missões oficiais a representantes do Estado brasileiro, por meio da venda desses itens no exterior”, afirmou a polícia.
De acordo com a apuração, os valores obtidos dessas vendas foram convertidos em dinheiro e ingressaram no patrimônio pessoal dos investigados, sem utilização do sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores.
Procurado, o advogado de Mauro Cid, Bernardo Fenelon, disse em nota que ainda não teve acesso aos autos da investigação que ocasionou as buscas e apreensões. “Por esse motivo não temos como fazer qualquer comentário, afirmou.
José Marques e Fábio Sarapião/Folha de S. Paulo
