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sábado, dezembro 27, 2025

Com Reforma Tributária, prefeituras terão independência financeira

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Responsáveis por boa parte dos serviços públicos de saúde e educação, a maioria das prefeituras do país enfrenta o dilema de ter poucos recursos para oferecer atendimento de qualidade à população. Em parte, porque a arrecadação com impostos é concentrada, uma das distorções do modelo atual que a Reforma Tributária promete melhorar. Ao corrigir as discrepâncias, a expectativa é de maior independência financeira para a maioria das prefeituras.

— Eles alegam que não têm dinheiro, mas se pagamos os impostos, a prefeitura arrecada os impostos, cadê o dinheiro? Está indo para algum lugar. Deveria ser para saúde, mas isso não acontece. Promessa, temos muita — diz o aposentado José Geraldo Braga, de 68 anos, morador de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, Região Metropolitana do Rio.

A cidade tem 441 mil habitantes e a terceira maior densidade populacional do país. Com muita gente morando em pouco espaço, teve, em 2022, a segunda menor arrecadação por habitante entre as cidades do Rio, segundo dados de estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A Prefeitura, comandada por João Ferreira Neto (PL), avalia que “a limitação de recursos faz o gestor municipal se reinventar a todo momento, forçando-o a provocar redução de alguns contratos, redução em sua folha de pagamento e redimensionar servidores dentro de suas finalidades”. “É necessário priorizar serviços essenciais, visando oferecer sempre o melhor serviço público à população. Porém, sempre dentro das possibilidades e respeitando os limites legais”, diz a prefeitura, em nota.

177 vezes mais

Segundo o estudo do Ipea, São Francisco do Conde (BA), na Região Metropolitana de Salvador, onde fica a principal refinaria privada de combustíveis do país, arrecadou com o ICMS e o ISS, em valor por habitante, 177 vezes mais do que Madeiro (PI), cidade de 8 mil habitantes perto da Foz do Rio Parnaíba.

Na média, a arrecadação das prefeituras com o ISS e o ICMS (que é estadual, mas do qual os municípios têm uma cota) ficou em R$ 1.191 por habitante no ano passado. Apenas 667 das 5.569 prefeituras do país registraram valores acima da média.

O aposentado José Geraldo de Braga é morador de São João de Meriti — Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo
O aposentado José Geraldo de Braga é morador de São João de Meriti — Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

Entre as dez menores arrecadações por habitante com ICMS e ISS em 2022, estão cidades do Piauí, do Maranhão e de Goiás, no entorno do Distrito Federal (DF). São locais pouco povoados e sem atividade econômica de peso. As mais populosas têm características de cidades-dormitório, nas regiões metropolitanas de capitais, como São João de Meriti.

Quando se considera a receita total (incluindo IPTU, repasses federais e royalties de exploração de petróleo e mineração), os municípios pouco povoados melhoram de situação, evidenciando a dependência de repasses federais. As grandes cidades-dormitório continuam nas últimas posições, mesmo com outras fontes de receita.

Para piorar, desde os anos 1980, mudanças constitucionais têm aumentado obrigações das prefeituras em prestação de serviços, especialmente de saúde e educação, definindo investimentos mínimos nessas áreas, diz o geógrafo e economista François Bremaeker, gestor do Observatório de Informações Municipais (OIM):

— Os encargos são sempre cada vez maiores. De vez em quando sai uma notícia, sobre piso (de salários) do magistério, piso para a enfermagem, agora já está tramitando no Congresso piso para as guardas municipais. Cada vez vão estrangulando mais e apertando mais as finanças dos municípios.

Cidades mais ricas e mais pobres do Brasil — Foto: Editoria de arte
Cidades mais ricas e mais pobres do Brasil — Foto: Editoria de arte

O resultado são serviços insuficientes. Em São João de Meriti, após passar três horas e meia na fila da UPA do Jardim Íris, por causa de uma inflamação na garganta, a estudante Bianca Napoleão de Oliveira Gomes, 27 anos, acompanhada do marido, o vendedor Ricardo Chagas Gomes, 29 anos, reclama da dificuldade em conseguir vaga na creche para o filho mais novo deles, de 2 anos:

— A gente tem se virado. Ele (Ricardo) trabalha, eu faço estágio. Um dia nosso filho fica com a minha prima, outro dia, com minha cunhada, outro dia, fica com a madrinha. Não tem vaga na creche.

A Prefeitura de São João de Meriti informou que, “mesmo com todos os problemas financeiros já mencionados”, inaugurou cinco creches.

A estudante Bianca gomes com o marido, o vendedor Ricardo Gomes — Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo
A estudante Bianca gomes com o marido, o vendedor Ricardo Gomes — Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

A enfermeira Jussara dos Santos Alt avalia que o transporte público é o maior problema de Belford Roxo. Ela mora no bairro Engenho Pequeno, a 20 minutos de ônibus do Centro, e usa a linha intermunicipal que vai para Nova Iguaçu. Em geral, o ônibus leva duas horas para passar.

— Hoje, esperei 40 minutos, foi até rápido — diz Jussara, que tem avaliação negativa sobre o destino dos recursos arrecadados com tributos.

Na outra ponta, entre as que mais arrecadam, estão cidades pouco populosas que são sede de atividade econômica relevante, como São Francisco do Conde. A segunda maior arrecadação por habitante com ISS e ICMS ficou com São Gonçalo do Rio Abaixo (MG), que tem uma hidrelétrica e uma mina da Vale. Com os valores levantados com royalties, a cidade mineira salta para a primeira posição do país em 2022. Turbinadas pelo petróleo, Maricá (RJ), Presidente Kennedy (ES), Ilhabela (SP) e Saquarema (RJ) se destacam.

Origem e destino

Segundo o economista Sérgio Gobetti, autor do estudo do Ipea, ao lado da economista Priscila Kaiser, o modelo atual do sistema tributário sobre consumo está por trás da concentração. Hoje, a carga recai mais sobre a produção — a cobrança é na “origem”. E a produção é concentrada: se produz em poucos lugares, mas se consome em todo o país.

A Reforma Tributária muda a cobrança para a venda final, ou seja, “no destino”. Para Gobetti, o novo modelo é melhor, porque, na tributação sobre o consumo, quem paga é o consumidor e, por isso, seria mais justo que o imposto fique no caixa dos governos do local onde quem paga vive. O estudo de Gobetti estima que 82% dos municípios poderão sair ganhando com as mudanças.

— O raciocínio é como se tivéssemos que retribuir o município que tem a produção. Mas queremos que o cidadão de outro município pague o imposto, e o dinheiro fique para a cidade onde está a empresa (que produz)? — questiona Gobetti, ressaltando que, além de ir contra o “senso de justiça”, a concentração da arrecadação é ineficiente. — Quem ganha muito mais do que precisa desperdiça, temos vários casos disso, enquanto quem tem menos do que precisa não consegue oferecer o mínimo de serviço público adequado.

Pedro Trippi, coordenador de Inteligência Técnica do Centro de Liderança Pública (CLP), que desenvolveu ranking com índices de qualidade para 410 municípios com mais de 80 mil habitantes, pondera que nem sempre arrecadação alta leva a serviço público de qualidade:

— Tem a questão de disponibilidade de recursos? Claro que tem, mas também tem muito a qualidade da gestão pública local.

Entre as mais ricas, São Gonçalo do Rio Abaixo (MG) registrou, em 2021, nota 5,3 no Ideb (principal avaliação da qualidade do ensino) para os anos finais do ensino fundamental na rede pública, a cargo das prefeituras. Ficou na posição 1.045 do país, segundo o IBGE. A nota de São Francisco do Conde foi de 4,0, na posição 4.314 no ranking. Entre as cidades com baixa receita, Madeiro ficou com nota 4,3 no Ideb de 2021, mesma posição (3.810) de São João de Meriti no ranking nacional.

Vinicius Neder/O Globo — Rio de Janeiro

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