Às vésperas do início da campanha por prefeituras, redutos eleitorais de caciques do Centrão vêm recebendo shows de forró, axé e sertanejo custeados pelo Ministério do Turismo do governo Lula (PT). A verba faz parte de um acordo de cooperação entre a pasta do ministro Celso Sabino e a Confederação Nacional do Comércio (CNC), que reservou até R$ 400 milhões sob pretexto de estímulo ao turismo. O evento mais recente, na semana passada, foi um festival em Barra de São Miguel (AL), cidade governada pelo pai do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP).
A festa, em homenagem aos 61 anos de emancipação política da cidade, reuniu artistas como Léo Santana, Bell Marques e o trio À Vontade, figuras recorrentes em outros eventos custeados pelo ministério. Em março, o portal Uol revelou uma gravação em que o prefeito de Barra de São Miguel, Benedito de Lira (PP), anunciava as três atrações e se referia a elas como “um presente” do ministro Celso Sabino.
— Já recebemos um presente. Vou deixar claro para os gafanhotos não dizerem que isso é com dinheiro “da mala”. Um dia recebo uma ligação do ministro do Turismo, e ele diz que está mandando um presente para Barra de São Miguel. Dia 1º, À Vontade. Dia 2 de agosto, que é exatamente o dia da emancipação, vai chegar aqui um cara que tem uma carapuça na cabeça, um tal de Bell Marques, e Léo Santana — disse o pai de Lira na ocasião.
Os shows, que de fato ocorreram nas datas citadas pelo pai de Lira, coincidiram com o período de convenções partidárias, quando Benedito oficializou sua candidatura à reeleição. Procurados pelo GLOBO para comentar o aporte de recursos no festival, Lira e o pai não responderam.
Show e tietagem
O presidente da Câmara marcou presença no evento e tirou fotos com os músicos Luan Saia Rodada, Raí Estilizado e Zezo Potiguar, que formam o trio À Vontade. No segundo dia de shows, o deputado federal Elmar Nascimento (União-BA), preferido de Lira para sucedê-lo na presidência da Câmara, também compareceu à cidade.
Uma placa posicionada no alto do palco montado em Barra de São Miguel fazia referência ao “acordo de cooperação Ministério do Turismo — Sesc–Senac”. O documento, assinado no início do ano passado e com vigência até o fim de 2026, tem entre suas diretrizes “qualificar a mão de obra” na área de turismo e estimular a “competitividade de destinos turísticos brasileiros”. Os eventos realizados com verba do acordo têm de assegurar acesso majoritariamente gratuito ao público.
Outra cidade já contemplada com a verba do Turismo para shows foi Campo Formoso (BA), berço político de Elmar e onde seu irmão, Elmo, é candidato à reeleição. Em setembro do ano passado, o mesmo acordo de cooperação financiou o Festival das Esmeraldas, que faz alusão ao apelido da cidade. A lista de atrações, além de nomes que também se apresentaram neste ano em Barra de São Miguel, contou ainda com artistas como Nattan e Xand Avião.
Uma nova edição do Festival das Esmeraldas ocorrerá no próximo mês, já em meio à campanha para a prefeitura. Procurado, o Ministério do Turismo não informou se também patrocinará este evento.
O ministério e a CNC não informaram o valor dispendido com cada evento, mas uma estimativa com base em cachês dos mesmos artistas mostra que os valores podem chegar a R$ 2 milhões por noite de shows. Foi este o valor que o Ministério do Turismo autorizou para custear cinco shows no São João do Maranhão, na capital São Luís, entre os dias 13 e 16 de junho. A verba foi disponibilizada atendendo a um pedido do secretário estadual de Turismo do Maranhão, Yuri Arruda Milhomem, conforme documentos obtidos via Lei de Acesso à Informação. Ele é aliado do governador Carlos Brandão (PSB).
Ao atender o pedido, o Ministério do Turismo destinou cachês de R$ 700 mil para o show de Nattan e de R$ 600 mil para a apresentação de Xand Avião, além de mais R$ 670 mil para outros artistas, totalizando R$ 1,97 milhão. O ofício com a autorização foi encaminhado a dirigentes do Sesc e do Senac, entidades reunidas sob o guarda-chuva da CNC, e que é quem de fato detém os recursos.
O Pará, estado do ministro Celso Sabino (União), é o que mais recebeu eventos até agora com verba do acordo de cooperação: foram 14 entre maio de 2023 e abril deste ano, segundo a CNC. A Bahia vem na segunda colocação, com 11, seguida pelo Maranhão, com oito. No estado, além da festa junina em São Luís, outro evento contemplado foi a festa de São João de Vitorino Freire, cidade cuja prefeita, Luanna Rezende, é irmã do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, colega de partido de Sabino.
Em Alagoas, além da cidade do pai de Lira, outro município contemplado foi Campo Alegre (AL), que é governada por um primo do presidente da Câmara. A verba do Turismo ajudou a custear o festival de 64 anos de emancipação política da cidade, em junho, com shows de artistas como Wesley Safadão, Henry Freitas e Vitor Fernandes. Outra prima de Lira, Pauline Pereira (PP), que é candidata a prefeita na cidade, marcou presença na festa.
Emendas parlamentares
Festas atendidas pela verba do Turismo também receberam recursos de emendas parlamentares destinadas por deputados do Centrão. É o caso do São João de Patos (PB), cujo prefeito, Nabor Wanderley, é pai do deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB). No evento deste ano, contemplado pelo acordo de cooperação, o prefeito anunciou que Motta assegurou R$ 17 milhões para uma reforma no Terreiro do Forró, que recebe a festa. Em Tauá (CE), além dos recursos da CNC, o deputado Domingos Neto (PSD-CE) declarou ter destinado R$ 3 milhões em emendas de comissão para a realização do FestBerro. O evento ocorre anualmente na cidade, cuja prefeita é sua mãe, Patricia Aguiar.
A CNC informou que “as definições para aplicação dos aportes são de responsabilidade do ministério”. O Ministério do Turismo argumentou que faz uma “análise técnica” dos pedidos feitos por prefeituras e governos estaduais, e que todos os eventos contemplados são “geradores de fluxo turístico”. A pasta afirmou ainda que os “os valores são disponibilizados diretamente aos prestadores de serviço contratados”, sem que os recursos passem pelos cofres de estados ou municípios.
Bernardo Mello/O Globo — Rio de Janeiro