A história poderia ter sido outra na primeira eleição direta para presidente da República após a redemocratização, que elegeu Fernando Collor de Mello, numa disputa de segundo turno com outro candidato que surpreendeu os políticos da época, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quem poderia ter mudado esse curso? O apresentador e empresário Silvio Santos, fundador e dono SBT, que faleceu na madrugada deste sábado, em São Paulo, aos 93 anos. Seu nome de batismo era Senor Abravanel.
O “dono do Baú da Felicidade” era considerado um aventureiro diante de figuras, como Ulysses Guimarães (PMDB), Mario Covas (PSDB), Leonel Brizola (PDT), Paulo Maluf (PDS) e Aureliano Chaves (PFL). Ma non troppo. Tinha um padrinho poderoso, o ex-presidente José Sarney, que havia virado vidraça na campanha eleitoral, porque ninguém o defendia. Outros candidatos também confrontavam Sarney: Afonso Camargo (PTB), Afif Domingos (PL), Celso Brant (PMN), Fernando Gabeira (PV ), Roberto Freire (PCB) e Ronaldo Caiado (PSD). E o histriônico Eneas Carneiro (Prona), que se destacou entre os desconhecidos.
Sílvio Santos foi uma cartada de última hora, articulada pelo deputado Marcondes Gadelha, que seria seu vice, e mais dois cardeais do PFL muito ligados a Sarney: Hugo Napoleão e Edison Lobao. Os três aliados do presidente da República à época quase conseguiram remover a candidatura de Aureliano Chaves, mas faltou combinar com o empresário Antônio Ermírio de Moraes, que prometeu financiar a campanha do ex-vice-presidente.
Aureliano Chaves havia sido vice do presidente João Batista Figueiredo, o general que deixou o Palácio do Planalto pela garagem, sem passar a faixa para Sarney. Político mineiro, fora um dos que insurgira contra a candidatura de Paulo Maluf na antiga Arena, para apoiar Tancredo Neves no colégio eleitoral.
A elite paulista temia que a entrada em cena de Sílvio Santos favorecesse os candidatos de esquerda. Com os votos concentrados, Collor estaria no segundo turno. Silvio Santos foi obrigado a buscar um partido pequeno, o PMB, que removeu da disputa o pastor Armando Corrêa.
Também faltou combinar com o jornalista Roberto Marinho, dono do maior grupo de comunicação do país, que apoiava aquele que viria vencer o pleito: Collor de Mello, que se notabilizara no governo de Alagoas como “caçador de marajás”. Filho do senador Arnon de Mello, sócio do dono da rede Globo em Alagoas, Collor fundou um pequeno partido, o PRN, e fez sua campanha tendo como alvo o governo Sarney. Caiu nas graças de Marinho porque defendia a abertura da economia e as privatizações, além de herdar os antigos laços comerciais com o amigo de seu pai. Marinho era o principal fiador de sua candidatura.
A candidatura de Silvio Santos foi oficializada duas semanas antes da eleição, no dia 31 de outubro de 1989. De pronto, se tornou uma alternativa para derrotar os dois candidatos de esquerda, Lula e Brizola, diante do fato de as candidaturas de Ulysses e Covas não terem emplacado. O primeiro foi “cristianizado” pelo governador de São Paulo, Orestes Quércia (PMDB); o segundo, era líder de um partido ainda em formação, o PSDB.
Populismo de centro
Collor já liderava a disputa, mas não teve apoio da mesma elite política que mais tarde viria a se articular com os jovens cara-pintadas da campanha do impeachment, que o levou à renúncia. Sílvio Santos nunca exercera um cargo político, porém, era um empresário competente e sabia se movimentar nos bastidores do poder. Só com a popularidade de apresentador de tevê não teria construído seu império de comunicação.
Foi durante o regime militar que Sílvio Santos obteve autorização para operar canais de TV no Rio, São Paulo, Porto Alegre e Belém, e formar o Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT. O programa “Semana do Presidente”, criado em 1981, para divulgar as ações do governo Figueiredo, agora divulgava as ações do presidente Sarney.
Até então, Silvio Santos recusara todos os convites para ingressar na política, mas a eleição direta para a Presidência, com apoio de Sarney, era muito tentadora. Marconde Ferraz defendia a tese de que o apresentador seria um “populista de centro”, contra um populista de direita e outro de esquerda. Quem mais se sentiu ameaçado foi Collor de Mello, que agora enfrentava um segundo colocado que lhe tirava votos e não dois concorrentes que disputavam votos entre si, como acontecia com Lula e Brizola.
A operação para remover Silvio Santos foi articulada pelo tesoureiro da campanha de Collor, PC Farias, e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, então funcionário da Xerox do Brasil, que descobriu irregularidades no registro da candidatura. O PMB não havia realizado as convenções estaduais exigidas pela legislação eleitoral. Foi um ovo de Colombo: seis dias antes das eleições, por 7 votos a 0, a candidatura de Silvio Santos foi impugnada. Collor obteve no primeiro turno 30% dos votos, quase o dobro de votos do segundo colocado, Lula. No segundo, venceu o petista por 53% a 46%.
Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense