O Congresso Nacional aprovou, nesta quinta-feira (13), projeto de resolução que dribla o STF (Supremo Tribunal Federal) e mantém a brecha para que a destinação de emendas parlamentares escondam os seus respectivos autores. A matéria foi aprovada por 361 a 33 entre deputados e 64 a 3 entre senadores. Ela era o único item na pauta da sessão.
A proposta —elaborada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal—, é fruto do acordo com o Supremo para dar mais transparência às emendas. Ele foi firmado após uma série de embates com o ministro Flávio Dino, que relata ações sobre o tema e chegou a criticar a “balbúrdia” no Orçamento da União criada por esses procedimentos.
O texto, porém, permite que os parlamentares façam indicações por meio de suas bancadas partidárias, constando apenas a assinatura do líder da sigla, sem identificação do autor original. A possibilidade está justamente dentro das emendas de comissão, um dos principais alvos de crítica de Dino, pela falta de clareza na alocação dos recursos.
Durante a sessão, parlamentares contrários à iniciativa, como os deputados Glauber Braga (PSOL-RJ) e Adriana Ventura (Novo-SP), também reclamaram que o texto foi protocolado oficialmente menos de 24 horas antes do início da votação. O presidente do Senado e do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), decidiu manter a deliberação, mesmo assim.
Os partidos solicitaram que a proposta fosse alterada para explicitar o autor das emendas indicadas pelas bancadas, o que não foi acatado pelo relator Eduardo Gomes (PL-TO). Também tentaram apresentar um destaque para que esse trecho fosse retirado da resolução, mas Alcolumbre argumentou que a medida não tinha amparo no regimento comum do Congresso e a rejeitou sem votação.
A minuta inicial continha um dispositivo que, como mostrou o UOL, esvaziava a competência da consultoria técnica do Congresso. O trecho foi retirado do texto após protesto de deputados.
As iniciativas de Dino sobre as emendas parlamentares tiveram seu ponto alto no final do ano passado, quando o ministro fez exigências de transparência para a aplicação dos recursos, suspendeu pagamentos e acionou a Polícia Federal para investigar possíveis irregularidades.
As medidas abriram uma crise com o Congresso, em especial com o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

As emendas de comissão foram turbinadas por Lira após a derrubada, pelo próprio STF em 2022, das verbas de relator, que não tinham mecanismos de transparência. Os parlamentares, então, passaram a usar os recursos das comissões temáticas do Congresso para direcionar dinheiro a seus redutos eleitorais, sem a identificação de seus padrinhos.
Dino então exigiu mais transparência e que as indicações fossem votadas pelos colegiados. Ele criticou o mecanismo por transformar emendas de comissão em “emendas de líderes partidários”, já que estes eram os únicos nomes que apareciam nos registros oficiais.
Lira manobrou e driblou a determinação para que não houvesse votação e para que as indicações fossem assinadas em conjunto pelos líderes da Câmara, mais uma vez escondendo os autores originais.
A resolução aprovada nesta quinta, que deveria adequar os ritos das emendas para dar mais transparência, manteve vivo o mecanismo de indicação pelo líder partidário. Em um primeiro momento, o texto exige a identificação, em cada emenda, dos parlamentares que compõem as comissões temáticas.
Mais adiante, no entanto, ele permite que sejam feitas indicações às comissões por meio das bancadas de cada sigla, exigindo apenas a assinatura “pelos líderes partidários”, acompanhadas de um formulário.
Nesse formulário, que consta em um anexo, são exigidas informações como município e CNPJ do favorecido, valor, beneficiário final, código da emenda e código da ação orçamentária à qual ela representa. Não se exige, portanto, que o parlamentar autor da indicação seja registrado no documento.
Nas decisões e nos acordos firmados até aqui na disputa entre Dino e o Congresso, não constava o conceito de uma ata partidária para as indicações, mas sim a exigência de que fosse dada transparência ao autor da emenda. O relator Eduardo Gomes chegou a afirmar que havia atendido a solicitação para explicitar os autores das indicações das emendas.
No texto apresentado por ele, porém, apenas foi criada a possibilidade que qualquer parlamentar possa indicar emendas às comissões, se quiser, sem precisar passar pelos líderes.
Deputados do PSOL e do Novo então solicitaram que fosse alterado o formulário para explicitar claramente o padrinho da destinação dos recursos, mas Gomes se negou a fazer essa mudança —na prática, portanto, mantendo a brecha para que esses nomes permaneçam escondidos.
Já nas emendas de bancada estadual, também há uma brecha semelhante. Inicialmente o texto pede a apresentação de um formulário que indica a autoria do autor da emenda, mas em um segundo momento a resolução faz referência a um documento diferente, no qual não é exigida esse nome.
ONGs que foram ao Supremo cobrar mais transparência na destinação de emendas publicaram nota nesta quinta criticando a medida aprovada no Congresso. Elas disseram que a resolução é uma “clara afronta aos princípios constitucionais da publicidade e da moralidade” e estabelece “uma nova modalidade de emenda secreta”.
“Cria-se, assim, uma modalidade de emenda não recepcionada pela Constituição Federal: a de bancada partidária.”
João Gabriel/Folha de S.Paulo