18.2 C
Dourados
quinta-feira, abril 18, 2024

Nenhum lado aprende que é um jogo repetitivo, e Bolsonaro voltará a radicalizar, diz cientista política

- Publicidade -

13/09/2021 – 07h57

Para Daniela Campello, presidente ainda tem grupo de eleitores grande para perder, e atos da oposição não mudam cenário político

A moderação do presidente Jair Bolsonaro não deverá durar muito tempo, e a animação de alguns setores com a mudança de tom dele na nota divulgada na última quinta-feira (9) indica não ter havido nenhum aprendizado sobre a forma como ele se comporta. A avaliação é de Daniela Campello, professora da FGV (Fundação Getulio Vargas) e doutora em ciência política pela UCLA (Universidade da California em Los Angeles).

“É um jogo um tanto repetitivo e me impressiona que os atores ainda não tenham aprendido a jogar”, afirma Campello em entrevista à Folha de S. Paulo desta segunda-feira. “Mais curioso do que o Bolsonaro dar um passo atrás, como ele fez agora, são as notícias ‘sobe a Bolsa porque Bolsonaro retrocedeu’, ‘empresários estão mais tranquilos'”, diz.

Segundo ela, há um grupo “que realmente não abandona Bolsonaro”, mas que não passa de 12% do eleitorado. “Ele ainda tem um grupo de eleitores grande para perder, com a economia ruim, com inflação. Se houvesse um candidato de terceira via apenas não seria impossível que parte desse grupo migrasse para esse candidato viável.”

Em relação às manifestações deste domingo (12) contra Bolsonaro, Campello avalia que a baixa adesão não traz mudança de cenário, mas expõe dificuldade em juntar direita e esquerda. “Ainda têm uma tradição na direita dessa agenda ‘nem Bolsonaro nem Lula’, que conflita diretamente com a esquerda”, diz a professoras da FGV, que é cética quanto à viabilidade de uma terceira via.

Para Campello, a radicalização no discurso do presidente, que fez uma escalada de ameaças golpistas até os atos do 7 de Setembro, aumenta conforme ele se torna menos competitivo para as eleições de 2022.

Como a senhora analisa as ameaças golpistas feitas pelo presidente Bolsonaro durante os atos do 7 de Setembro? Enxergo dentro de um contexto que começou desde o início do governo. Bolsonaro nunca escondeu suas preferências por um governo autoritário e o seu desprezo pela democracia. Ele vem esticando a corda desde o dia 1 [do seu governo]. Seja questionando as instituições, questionando as eleições, dizendo que é fraude ou ameaçando o Supremo Tribunal Federal.

A diferença em relação ao que ocorre hoje é que, se Bolsonaro estivesse parecendo competitivo para as eleições do ano que vem, isso poderia frear esse comportamento extremista. Porque este comportamento assusta o eleitor mediano, que não quer o caos e que quer que sua vida retome, de certa forma, a sua normalidade.

A radicalização acontece na medida que Bolsonaro percebe que pela via eleitoral suas chances são muito pequenas em 2022.

Além da questão eleitoral, as investigações contra pessoas próximas ao presidente são outros fatores para este discurso extremista? Os dois aspectos estão associados. Se ele tivesse a percepção de que é um governante forte e que muito provavelmente vai ser reeleito, a perspectiva de ter o poder e de alguma forma controlar essas investigações ou tentar se proteger seria maior.

De um lado tem a questão eleitoral, do outro existem as ameaças do ponto de vista da Justiça, e isso se faz relevante na medida que o horizonte de poder do Bolsonaro se encurta para um ano, em vez de cinco.

Como a senhora interpreta a mudança de tom do presidente, dois dias após ter feito ameaças à democracia? É um jogo um tanto repetitivo e me impressiona que os atores ainda não tenham aprendido a jogar. Ele estica a corda, eventualmente alguém avisa que foi demais e ele faz uma força para recuar e tentar parecer moderado, mas no instante seguinte ele não consegue. É uma coisa reincidente.

Mais curioso do que o Bolsonaro dar um passo atrás, como ele fez agora, são as notícias “sobe a Bolsa porque Bolsonaro retrocedeu”, “empresários estão mais tranquilos”.

A graça de jogos repetitivos, quando a gente estuda academicamente, é que os atores vão aprendendo sobre o comportamente uns dos outros, e aqui parece que não tem aprendizado de lado nenhum. Ou seja, acho que não vai levar a nada e ele voltará a radicalizar, como tem feito desde que foi eleito.

Após os atos do dia 7 e deste domingo, que saldo político fica para governo e oposição? Quem tem mais a ganhar, já que estão previstas novas manifestações? Não é uma comparação boa essa do que aconteceu hoje [12] com o que aconteceu no 7 de Setembro, porque neste domingo foi muito menos organizado e havia muita dúvida na esquerda se iria se juntar às manifestações do MBL.

Neste sentido, foi algo mais pontual. Não consigo fazer grandes interpretações. Não acho que existirá uma mudança de cenário. É [uma amostra] pouco significativa, dado todo o resto que está acontecendo neste momento.

Neste ato de domingo, setores de direita e da esquerda se juntaram contra Bolsonaro, mas só parcialmente. Como avalia esse cenário? Existe uma imensa dificuldade de juntar direita e esquerda em um protesto contra Bolsonaro. Isso porque ainda têm uma tradição na direita dessa agenda “nem Bolsonaro e nem Lula”, que conflita diretamente com a esquerda.

O que explica o fracasso dessa terceira via, ao menos até o momento? Sou muito cética em relação a essa terceira via, por duas razões. A primeira é que a gente está tratando de dois candidatos muito conhecidos. Não tem muito espaço ainda para alguém mudar de ideia sobre um ou sobre outro. Sabe-se muito bem os pontos positivos e negativos de Lula, sabe-se muito bem quem é Bolsonaro. Tem pouco espaço para uma terceira via que consiga eventualmente chegar a um segundo turno.

Tem um outro problema que é um problema de coordenação. Se houvesse um [único] candidato dessa terceira via, existiria, eventualmente, uma chance razoável de que alguns dos eleitores de Bolsonaro, que eu acho ainda que irão abandonar o barco, [votassem nesse único candidato].

O que se crê é que o grupo realmente que não abandona Bolsonaro vai de 8% a 12% do eleitorado. Ele ainda tem um grupo de eleitores grande para perder, com a economia ruim, com inflação. Se houvesse um candidato de terceira via apenas não seria impossível que parte desse grupo migrasse para esse candidato viável.

O presidente sempre é um candidato forte em uma eleição, por mais desastrosa que seja a gestão. Porque tem muitos recursos, porque é muito conhecido. É muito difícil um presidente não estar no segundo turno. E o Lula já está bastante consolidado e provavelmente estará também.

Quais as possibilidades de um impeachment contra o presidente prosperar, diante de uma oposição ao governo dividida e da proximidade das eleições de 2022? Existe a oposição tradicional ao Bolsonaro, que são os partidos mais à esquerda, PT, PSOL, PSB, que já vem discutindo o impeachment desde o primeiro crime cometido pelo presidente. Agora tem um novo processo acontecendo, que é uma parte da direita, por exemplo, o PSDB, começando a se perguntar se é possível continuar até 2022 assim.

Temos duas direitas, na verdade, a gente precisa diferenciar. Uma é aquela que pode vir a lançar um candidato viável de terceira via, um candidato que pode vir a ser competitivo. Outra direita não tem essa perspectiva e facilmente se vale de todos os benefícios que vem recebendo do governo Bolsonaro, para dar apoio, o coração do centrão.

À medida que Bolsonaro se enfraquece, [os partidos que hoje o apoiam] simplesmente pulam no vagão de um outro candidato mais à frente, Lula ou quem quer que seja essa terceira via. Essa direita, esse grupo que apoia Bolsonaro, muito dificilmente vai sair do barco. Só vai sair quando não tiver mais nada a ganhar ou quando achar que a associa
ção com o Bolsonaro pode criar riscos para 2022.

Os grupos que pretendem lançar candidatos para uma terceira via agora têm um incentivo [para o impeachment]. Dadas as pesquisas, Bolsonaro ainda tem alguma força e o Lula vem se consolidando como o candidato com chances de vencer o Bolsonaro. Então, qualquer perspectiva de terceira via passa por um enfraquecimento muito grande do Bolsonaro, quiçá um impeachment.

Como a senhora avalia o embate entre Bolsonaro e o Supremo? A resposta do STF está adequada para o tipo de ameça que o presidente faz? É mais um dos embates institucionais do Bolsonaro, como todo líder populista. Ele precisa manter uma imagem de que é uma pessoa fora do sistema, e a maneira para ele se manter como uma pessoa fora do sistema, desse sistema que ele criticou tanto e os eleitores dele compraram essa crítica, foi [manter o embate] com o Congresso, antes de ele fechar com o centrão.

Também ocorreu o embate com os governadores que queriam fazer lockdown no início da pandemia. Agora é o Supremo. Esses embates são necessários para que ele consiga manter essa imagem de outsider, apesar de ele ser o sistema, com todo o poder que ele tem na Presidência.

As respostas do Supremo têm sido razoavelmente contundentes. O presidente tem encontrado limitações, principalmente nos casos do Alexandre de Moraes e do [Luís Roberto] Barroso. Não coincidentemente são os ministros que ele vem atacando. O que não há de resposta contundente é no Congresso. O Supremo está tentando, de alguma forma, fazer o seu papel e talvez seja o último bastião de alguma normalidade democrática que a gente ainda tem.

As ameaças golpistas do presidente estão sendo subestimadas? O problema com essas ameças não ocorre apenas se elas se concretizarem. Por conta dessas ameaças que ele vem fazendo desde o início do governo, uma série de cálculos políticos passaram a acontecer. Esses cálculos são diferentes do que se via antes na nossa democracia pré-Bolsonaro. Eles são muito preocupantes.

A ameaça de um golpe permitiu ao Bolsonaro chegar a um nível de destruição institucional e de ameaça democrática que talvez ele não conseguisse chegar se não fosse minimamente crível que eventualmente os militares pudessem estar com ele ou que ele pudesse criar um caos com apoio da polícia.

O problema não é só se concretizar, mas o quanto a ameaça já está mudando o panorama político do país. Não só a oposição a ele, como o próprio Judiciário, a própria mídia, e isso é problemático.

Um exemplo é o Barroso pedindo a indicação de alguém das Forças Armadas para acompanhar a transparência das eleições. Isso é uma resposta às ameaças do presidente. As ameaças podem nunca acontecer, mas ele consegue avançar com os seus projetos a partir delas.

Como a senhora avalia a grande presença de militares na política? Esse é um dos motivos para a crise política atual? Sim, considero isso uma tragédia. Não começou com o Bolsonaro. Na verdade, os militares começaram a voltar lentamente à política pós [operação humanitária no] Haiti, começou inclusive com a Dilma. Ganharam muito poder no governo Temer, e agora, de fato, se consolidaram como ator político novamente.

Acho extremamente preocupante que os militares estejam acompanhando eleições, dando opinião sobre qual o melhor sistema eleitoral, discutindo orçamento público, tomando decisões sobre saúde. Isso foi uma das grandes perdas de qualidade democrática que aconteceram durante o período Bolsonaro. Eles estão em todas as partes. Há cinco anos era inimaginável.

O que me preocupa adicionalmente é o quanto o Bolsonaro vem se valendo dessa ameaça implícita de que os militares estariam com ele em um momento de ruptura. A gente viu muito pouca resposta por parte dos militares dizendo “não estamos”. Os militares americanos disseram “não estamos”, os militares chilenos disseram “não estamos”. Esse não posicionamento sugere que essa possibilidade não é nula. Em uma democracia saudável, essa mensagem estaria mais do que clara e não está.

De que forma essas ameças à democracia são enxergadas fora do Brasil? Existe um tremendo pavor e preocupação com o que está acontecendo hoje no Brasil. Por parte da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), EUA, Europa… São coisas que não eram esperadas dentro do repertório de possibilidades de uma democracia jovem, mais razoavelmente madura, que é o Brasil. É uma surpresa para todo mundo o quão longe chegou um político com as propostas e com a pouca capacidade de governar como é o Bolsonaro.

Do ponto de vista das relações internacionais, o Brasil sempre foi um país que manteve uma certa estabilidade entre governos, mesmo governos com agendas diferentes. Com o governo Bolsonaro, a mensagem que o Brasil está passando é que de fato há mais volatilidade na postura internacional do que se imaginava. Isso é uma questão reputacional e para recuperar demora bastante.

O quanto é preocupante o fato de as pautas radicais do presidente encontrarem eco em uma certa parcela da população? Essa é uma questão tão importante. Não apenas no Brasil. O populismo, tal como Bolsonaro, muito personalista, muito agressivo, não é um fenômeno só do Brasil .

Tendo a acreditar que a parcela que de fato se engajou dessa forma com o Bolsonaro é menor do que esse valor que ele tem [nas pesquisas] que é de 20, 25%. Uma série de recursos que escoam, legal ou ilegalmente, para estes grupos que apoiam o presidente vão secar. Neste sentido eu sou cética de que essa direita bolsonarista sobreviva após Bolsonaro [deixar o governo].

Por exemplo, 80% dos evangélicos votaram no Bolsonaro nas eleições de 2018. Atualmente, está em 50% a 50% com o Lula [as intenções de voto]. Existem várias questões objetivas que não estão sendo atendidas, como emprego, comida, preços, que vão tirar essas pessoas do apoio ao Bolsonaro.

Existem grupos muito radicalizados, como existem grupos radicalizados nos EUA, e esses grupos, enquanto tiverem financiamento, se alimentam disso. Na hora que o Bolsonaro não estiver mais [no governo] dificilmente esse grupo se mantém.(Tayguara Ribeiro/FSP)

RAIO X

Daniela Campello

Engenheira, com doutorado em ciência política pela UCLA (Universidade da California em Los Angeles). É professora associada da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ebape) e, atualmente, é pesquisadora do Wilson Center (DC), um dos principais think tanks de estudos regionais do mundo

Daniela Campello durante entrevista na qual analisa impacto político do fim do ciclo das commodities - Reprodução / Bob Fernandes no youtube

- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -

Últimas Notícias

Últimas Notícias

- Publicidade-