Com a coluna em frangalhos – dores lancinantes há três dias me obrigando a recorrer a uma bengala (presente trazido pela amiga Délia Razuk dos EUA) –, mas para não perder o gancho do início dos trabalhos da nova legislatura recordei uma tirada do grande amigo, o sempre bem-humorado Arthur Ferreira Pinto Filho, quando presidia a ACED. Depois de ouvir atentamente minha explanação sobre o roteiro de um filme que acabara de escrever, ele me disse que se sentia como se estivéssemos combinando uma viagem à Lua. Ou seja, algo impossível de ser concretizado. No entanto, mais de dez anos depois, ainda tenho esperança de rodá-lo.
Mais ou menos o que pode acontecer com o filme que começa a ser rodado nesta segunda-feira no Palácio Jaguaribe, em Dourados. O destino dos agora vinte e um excelentíssimos nobres edis, principalmente os dez novatos – “lima-novas” –, que começaram a “verear” a torto e a direito antes da hora, aparentemente sem sequer terem lido o regimento interno da Casa ou a Lei Orgânica do Município. Esses, mais do que ninguém, terão que mostrar a que vieram. Especialmente os dois campeões de votos: a estridente Isa Cavala Marcondes e o petista Franklin Schmalz, defensor da causa dos menos favorecidos.
Independentemente dessas questões básicas, para não serem criticados por supostamente terem ouvido o galo cantar sem saber onde, seria prudente que os estreantes prestassem atenção ao que aconteceu neste primeiro de fevereiro em Brasília, quando o Congresso Nacional perdeu uma grande oportunidade de fazer história. Em vez disso, elegeu dois paus mandados do establishment para as presidências da Câmara e do Senado, reafirmando a força do famigerado Centrão – o maior grupo fisiológico da história do parlamento brasileiro. Pior ainda, zombando dos brasileiros ao assistir o novo presidente da Câmara, o inexpressivo serviçal de Arthur Lira, Hugo Motta, parafraseando Ulysses Guimarães em seu histórico discurso na promulgação da Constituição de 1988: “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.”
Outro bom exemplo vem da Assembleia Legislativa, onde se repete o fenômeno da unanimidade burra. Além de aprovarem tudo o que interessa aos poderosos de plantão, nada se denuncia. Principalmente quando se trata dos lindeiros do Parque dos Poderes: os intocáveis membros do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas. Os dois palacetes, enlameados por um inédito esquema de corrupção – como o das vendas de sentenças que provocou uma devassa no TJ –, não chamaram a atenção nem mesmo de deputados que batem no peito para se dizerem orgulhosos do “parlamento”, como a douradense Lia Nogueira. Quando vereadora, ela se autointitulava o “bichão do MS”. Hoje, tornou-se apenas um bichinho de estimação na invernada do poderoso Reinaldo Azambuja e, por isso, já está com Isa Marcondes em sua alça de mira, ante a aproximação da corrida pela reeleição.
Isso, claro, se Cavala realmente começar a mostrar a que veio no plenário, por meio de denúncias embasadas em provas consistentes – que ela diz já ter –, além de requerimentos e projetos concretos. A expectativa é grande, pelo barulho que ela fez após ser eleita, o que gerou protestos de categorias como médicos, enfermeiros e funcionários públicos, que a acusam de assédio moral.
Não há dúvida de que os vereadores reeleitos deixarão tudo como está para ver como fica – afinal, já estão acostumados com a mamata. Mas, para os novatos e, principalmente, para Cavala e Franklin, algo novo precisa ser feito. É o que a sociedade espera. Se não começarem propondo, por exemplo, uma devassa nas contas da legislatura anterior – para averiguar, entre outras coisas, a interminável e questionadíssima obra de reforma do Jaguaribe –, e se não acabarem com o cabide de empregos, pelo menos na parte que lhes compete, não chegarão a lugar nenhum.
Por tanta excentricidade, Cavala, Franklin “dos veados” (como ele se apresentou na campanha), Dil do Povo, Carlinha dos Bichos e sargento Prates do capitão Bolsonaro, precisam dar uma resposta convincente ao eleitorado. Sobretudo para evitar o risco de uma nova Uragano.
Aliás, quando mencionei isso, no texto anterior, muita gente achou que fui precipitado. Mas os áulicos não devem esquecer que a Uragano começou com uma denúncia publicada aqui, neste mesmo site, sobre a famigerada operação tapa-buracos que fez crescerem os olhos do prefeito Ari Artuzi, daí à sua degola, juntamente com a maioria dos vereadores e do secretariado, além de poderosos empresários. Depois, as investigações se aprofundando e alcançando setores como a saúde pública, com envolvimento até do Hospital Evangélico e da Igreja Presbiteriana do Brasil com ‘mensalinhos’ dali desviados para vereadores da época.
Como se vê, Cavala parece estar no caminho certo, mas não pode se limitar a “pentelhar” a classe médica. Não duvidem, aliás, que, uma vez esgotada a pendenga com a “máfia do sapato branco”, ela resolva aparecer nas redes sociais com uma trena na mão para conferir se, afinal, o prefeito Marçal Filho também fará sua parte. Em vez de mais operações tapa-buracos – fonte inesgotável de corrupção –, que ele promova o recapeamento de ruas intransitáveis, asfaltadas ainda na gestão de Zé Elias Moreira. O que não será difícil, até porque um dos trechos mais caóticos de toda a malha asfáltica é o da rua Oliveira Marques, na Vila Maxwell, exatamente onde ela deve voltar a morar depois de, “com dor no coração”, ter que deixar a confortável suíte que ocupava na Casa Noturna cuja administração leva como know-how para seu mandato.