Os sherpas (representantes dos presidentes) finalizaram neste sábado a versão final da declaração da cúpula do Brics, que começa neste domingo no Rio, chegando a um “consenso possível” sobre três pontos mais sensíveis que vinham dificultando as negociações. Agora os chefes de Estado do bloco, que se reúne até segunda-feira, baterão o martelo para a aprovação final do texto. Ainda não há informações sobre o exato teor do texto final, mas, segundo confirmaram autoridades de governos que participam das negociações, os pontos mais sensíveis se referiam à linguagem com a qual se fará referência à demanda de reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, à situação dos palestinos em Gaza e aos ataques ao Irã por parte dos Estados Unidos e de Israel.
Além da declaração principal, que exigiu maior esforço dos negociadores e, sobretudo, do Brasil, que exerce a presidencia do grupo, serão divulgadas declarações sobre três temas de amplo consenso: financiamento climático, saúde e inteligência artificial. O tema clima, fundamental para o Brasil no ano em que sediará a COP30, deverá seguir os termos da declaração de chanceleres, divulgada após o encontro de ministros das Relações Exteriores realizado no Rio, no final de abril.
O texto diz, entre outras coisas, que “os Ministros reconheceram que a mudança do clima representa um desafio urgente do nosso tempo e que enfrentá-lo exige avanço na direção do desenvolvimento sustentável até 2030, bem como a mobilização de recursos globais para combater as desigualdades estruturais dentro dos países e entre eles, e o fornecimento, pelos países desenvolvidos, de meios de implementação aos países em desenvolvimento, abrindo caminho para transições justas rumo a sociedades de baixa emissão e resilientes ao clima”.
Sobre IA, os chanceleres, afirmaram que “a Inteligência Artificial é fundamental para promover o desenvolvimento socioeconômico e o crescimento inclusivo em todas as sociedades e, para esse fim, é importante garantir que a IA seja projetada, desenvolvida e utilizada de maneira responsável, segura e ética… Deve operar sob os marcos regulatórios nacionais e a Carta das Nações Unidas, respeitar a soberania, bem como ser representativa, orientada para o desenvolvimento, acessível, inclusiva, dinâmica, responsiva, fundamentada em proteção de dados pessoais, direitos e interesses da humanidade, segurança, transparência, sustentabilidade e propícia para superar as crescentes desigualdades digitais e de dados, dentro dos e entre os países”.
Mas outros temas exigiram longas conversas. Após debates que entraram pela madrugada, uma das fontes havia afirmado na manhã deste sábado que “estamos quase lá”. Os debates foram intensos, e esses três pontos exigiram um grande esforço diplomático para alcançar uma linguagem que fosse aceita por todos os membros do grupo (Brasil, Rússia, China, Índia, África do Sul, Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Arábia Saudita).
Os ataques de Israel e dos EUA ao Irã, disse uma das fontes consultadas, “tiveram um impacto sobre o posicionamento dos países nas negociações”. Quando os ministros das Relações Exteriores do Brics se reuniram no Rio, no final de abril, o cenário era outro. Naquele momento, a declaração de chanceleres afirmou, entre outras coisas, que “reafirmamos nosso apoio à adesão plena do Estado da Palestina às Nações Unidas no contexto do compromisso inabalável com a visão da solução de dois Estados, com base no direito internacional”. Embora “visão da solução de dois Estados” não seja um compromisso com “a criação de dois Estados”, a linguagem diplomática foi aceita pela delegação iraniana, e alcançou-se o consenso.
Mas depois vieram os ataques ao Irã, que não reconhece Israel e, portanto, não apoia a solução de dois Estados. O panorama mudou radicalmente, e o consenso entre os chanceleres — que em muitos casos funciona como uma base para a declaração presidencial — rompeu-se. O Irã pedia termos mais duros, o que afetou pontos centrais do texto, principalmente porque Índia, EAU e Arábia Saudita eram contra.
— Esse é um ponto delicado, mas há margem para encontrar caminhos. Hoje o Irã precisa mais do Brics, do que o Brics do Irã — explicou uma fonte antes de se alcançar a versão final do texto.
A delegação iraniana foi uma das mais duras nas negociações. Os termos da nota do Brics de condenação aos ataques sofridos pelo país, divulgada semana passada, é considerada “suave demais”, segundo fontes. O Irã, entre outros, quer termos mais duros e defende a menção dos agressores.
Na nota, que tem um peso inferior ao de uma declaração presidencial, afirma-se que “expressamos profunda preocupação com os ataques militares contra a República Islâmica do Irã desde o dia 13 de junho de 2025, os quais constituem violação do direito internacional e da Carta das Nações Unidas, e a subsequente escalada da situação de segurança no Oriente Médio”. O grupo adotou um caminho que os especialistas definem como “legalista”, sem citar os Estados Unidos de Donald Trump, nem Israel.
Segundo fontes que acompanham as negociações, “não é impossível imaginar que ambos os países possam ser mencionados na declaração presidencial”. Os sherpas buscaram soluções para pontos extremamente sensíveis na tentativa de impedir que a declaração acabasse excluindo temas que são centrais para o debate geopolítico atual.
A ampliação do Conselho de Segurança era outro ponto complicado. Brasil e Índia defendem, historicamente, a incorporação de novos membros, mas dentro do Brics há outras posições. A África do Sul está limitada pelo chamado Consenso de Ezulwini, que é a posição oficial da União Africana sobre a reforma do Conselho de Segurança, adotada em 2005. Ele defende que a África deve ter pelo menos dois assentos permanentes (com direito a veto) e cinco assentos não permanentes no Conselho de Segurança, sendo os representantes escolhidos pelos próprios países africanos através da União Africana.