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sábado, dezembro 6, 2025

Campo Grande é campeã de enchentes

Capital de Mato Grosso do Sul publicou 132 decretos relacionados a chuvas em dez anos, aponta levantamento. Prefeitura afirma não ter recursos para obras estruturais e busca parcerias com governos federal e estadual

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A dona de casa Cláudia Ramona Chaves acompanhou o genro e o pedreiro na visita ao barraco na comunidade Vitória, nos fundos do Jardim Los Angeles, em Campo Grande. Olhava desconfiada para a mureta de concreto construída em frente ao diminuto imóvel de folha de madeira, tijolo e piso de cimento batido. O reforço, de cerca de 30 centímetros, foi projetado para ser uma barreira contra a força da água. “Não sei não, ainda acho que está baixo”.

O receio é a lembrança da chuva torrencial em abril que atingiu 30 famílias na área invadida. Claúdia mora no barraco ao lado e ficou no local, enfrentando dias de água empoçada, mau cheiro e a perda dos poucos móveis.

O Jardim Los Angeles está numa lista da Prefeitura de Campo Grande que inclui ruas e avenidas de outros 73 bairros suscetíveis a alagamentos.

A publicação, de 2024, contém informações coletadas no plano diretor ambiental de 2018 e que estão sendo atualizadas este ano, em projeto da Defesa Civil municipal e da Planurb (agência municipal de meio ambiente).

A capital de Mato Grosso do Sul, que nos últimos anos sofreu reflexos dos incêndios no pantanal, ostenta um título inversamente proporcional às chamas: é a campeã no país em decretos publicados por desastres ligados a chuvas, segundo estudo da CNM (Confederação Nacional de Municípios).

O levantamento, com dados de 2013 a 2023 a partir de informações de coordenadores estaduais e municipais de defesa civil, mostra que no intervalo de dez anos Campo Grande publicou 244 decretos ligados a desastres em geral, dos quais 132 em virtude de chuvas –30 só em 2022. É a única capital entre as dez cidades com mais decretos no período.

Entre os 74 bairros suscetíveis a alagamentos, há áreas que receberam bacias de contenção neste ano mas, como não passaram por um “teste de resistência” no período chuvoso, ficam na lista até que se tenha certeza de que o problema foi sanado, segundo Enéas Netto, coordenador da Defesa Civil municipal.

A ideia, segundo ele, é lançar a atualização até o ano que vem no sistema de informações sobre desastres do governo federal, que norteia o repasse de recursos conforme risco e urgência.

Outros seis pontos de alagamento estão sob averiguação e, dependendo das próximas chuvas, entrarão ou não na listagem –o que elevaria a contagem até 80.

Recursos é o que a prefeitura busca para resolver um passivo responsável por alagamentos e erosões. A avenida Ernesto Geisel é um desses problemas crônicos. Com 12,5 quilômetros de extensão, ela corta a cidade de leste a oeste. Parte da via margeia o rio Anhanduí, fruto do encontro das águas dos córregos Prosa e Segredo.

Em janeiro, o projeto de R$ 150 milhões submetido ao Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) não foi aprovado.

Desafio ambiental nas capitais

O titular da Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos, Marcelo Miglioli, disse que não há recursos para a obra, mas o avanço da erosão obrigou a prefeitura a investir. Desde setembro de 2024, as margens do Anhanduí estão sendo reconstruídas no sistema gabião, um colchão de pedras britadas protegido por gaiolas metálicas. A obra está orçada em R$ 20,9 milhões e deve ser concluída até fevereiro de 2027. Ou seja, o local ainda enfrentará mais dois verões, período mais chuvoso do ano, antes da conclusão.

Em outro cruzamento da via, com a avenida Rachid Neder, os alagamentos são recorrentes e seriam necessários R$ 200 milhões, estima o secretário. “Ali, realmente, é um problema muito sério.”

O engenheiro civil e ambiental Antônio Sampaio disse que uma obra havia sido executada há 12 anos, quando duas pequenas bacias de contenção foram construídas para evitar a inundação na parte baixa, exatamente no cruzamento das avenidas. O rompimento de outra bacia, no Bairro Nova Lima, fez descer sedimentos que ficaram depositados nas duas bacias. “Nunca deram manutenção, a vegetação cresceu e hoje é uma floresta.”

A bacia do Nova Lima foi sanada, mas depois a água desce sem barreiras do córrego Segredo e chega ao gargalo.

Outro problema é a inundação do lago do Amor, construído dentro do campus da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), a partir do barramento dos córregos Bandeira e Cabaça, com função de contenção de enchentes.

Em janeiro de 2023, a força das águas destruiu parte da ciclovia da avenida e do muro de contenção. Os reparos foram feitos e, em outubro daquele ano, a calçada cedeu com o alagamento. Em março deste ano, o mesmo trecho voltou a ceder. Outros R$ 20 milhões são necessários para as obras.

Caso a prefeitura tenha recursos, a prioridade não seriam essas localidades. Miglioli diz que os problemas são pontuais, e que a falta de pavimentação e de drenagem são mais prejudiciais, elencando alagamentos em outros bairros. A saída está sendo buscar apoios nos governos federal e estadual, com deputados e negociar linhas de financiamento.

Campo Grande repete a realidade de outras cidades, diz Sampaio. “A cidade foi crescendo sem planejamento hidráulico, foi ocupando tudo, foi impermeabilizando. Então, a chuva continua mais ou menos a mesma, só que hoje quando chove a água chega mais rapidamente, em um tempo muito mais curto e vai inundando tudo.”

PREVENÇÃO

Prever os eventos faz parte de uma pesquisa da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia. O coordenador Paulo Tarso Sanches de Oliveira disse que o projeto começou em 2017 na bacia do Prosa, usando modelagem hidrológica computacional para prever como a água da chuva se comporta, da infiltração ao escoamento até os córregos urbanos.

Dados de pluviômetros adquiridos pela prefeitura em 2014, que estavam sem uso, validaram os modelos. A equipe chegou a desenvolver um sistema para celulares, capaz de prever, com até 48 horas de antecedência, as áreas com maior risco de alagamento.

O projeto cresceu e a infraestrutura atual inclui 13 sensores nas bacias dos córregos Prosa, Segredo, Bandeira e Lajeado, além de uma estação meteorológica e um radar que mede a vazão na avenida Ricardo Brandão. A expansão do sistema está prevista para alcançar também as bacias do Imbirussu e do Anhanduí.

FUMAÇA DESACELERA NA CAPITAL

As queimadas, que nos últimos anos provocaram nuvens de fumaça em Campo Grande devido ao fogo no pantanal sul mato-grossense, neste ano apresentaram queda significativa.

Dados do Cemtec (Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima de Mato Grosso do Sul) indicam que de janeiro a setembro ocorreram 203 focos de calor no pantanal, redução de 97,3% em relação aos 7.410 focos computados no ano passado.

Silvia Frias e Marcelo Toledo/Folha de S.Paulo


ENTENDA A SÉRIE

série “Desafio Ambiental nas Capitais”, às vésperas da COP30 (conferência das Nações Unidas que será realizada em novembro, em Belém), aborda problemas que grandes cidades brasileiras enfrentam no campo da sustentabilidade.

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