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“PGR não existe hoje no Brasil”: Gilson Dipp cobra reação de órgão quanto a ataques de Bolsonaro

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08/08/2021 – 10h07

Jurista considera inaceitável a inação do procurador-geral da República e de outras instituições quanto aos ataques de Bolsonaro

Para Gilson Dipp, está “péssimo” o relacionamento entre os Poderes da República. A escalada antidemocrática de Jair Bolsonaro resulta de uma omissão das instituições, que não têm cumprido o dever de preservar a ordem constitucional.O jurista e ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça não acredita que o impasse será resolvido por meio de distensionamento. “Bolsonaro não se submete a diálogo nenhum, seja com o Judiciário, seja com o Legislativo”.

Gilson Dipp também considera que o Supremo Tribunal Federal (STF) não está reagindo à altura aos ataques desferidos contra a democracia. O jurista afirma que a Corte tem meios para “superar a omissão da Procuradoria-Geral da República” ante os crimes cometidos por Bolsonaro, podendo, por exemplo, recorrer ao Conselho Superior do Ministério Público. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio Braziliense com o ex-corregedor nacional de Justiça e primeiro coordenador da Comissão Nacional da Verdade.

O Poder Judiciário, sobretudo o STF e o TSE, tem sido alvo de ataques do presidente Bolsonaro. Já tinha visto situação semelhante no período da redemocratização?

Não, jamais. E isso demonstra uma tendência que já estava adormecida não só no povo brasileiro, mas também em muitos países, a um retorno à anormalidade democrática. Ou seja, está se aflorando um desrespeito às instituições, ao Judiciário, com um fanatismo político, um fanatismo religioso. É um retrocesso que o Brasil não esperava que viesse a acontecer, e há camadas significativas da população que estavam adormecidas e que têm instintos autoritários, instintos racistas, rebeldes, a favor de uma religiosidade exacerbada, e que deram margem a um insensato, eu diria até que a um insano, na presidência da República, com a aquiescência das Forças Armadas.

O TSE abriu inquérito administrativo para apurar ameaças às eleições. Que repercussões essa investigação pode trazer ao presidente?

O presidente vem cometendo inúmeros crimes, inclusive ameaça às eleições, ameaça à democracia, e isso é uma realidade. O que nós podemos questionar, e o presidente está se aproveitando disso, é a forma como se abre um inquérito administrativo. Será que o TSE estaria imitando o Supremo na abertura do processo das fake news? Ou seja, abrem um inquérito administrativo sem a participação do Ministério Público Eleitoral. Isso dá uma certa fragilidade a um inquérito administrativo feito pelo próprio TSE, que, ao fim e ao cabo, vai instruir, vai julgar esse próprio inquérito. A forma como o TSE vem agindo pode ser questionada, não nos crimes cometidos pelo presidente. Tomou uma decisão que o próprio (plenário do) Supremo validou, a abertura desses processos criminais, mesmo os processos administrativos. Na Justiça Eleitoral é menos grave porque ela é uma justiça jurídica, judicial, mas tem muitos aspectos políticos. E, ali, num inquérito, pode sim, digamos, ser dispensada, o que não é o ideal, a participação do Ministério Público Eleitoral. A explicação é lógica: a Procuradoria-Geral da República e a Procuradoria-Geral Eleitoral, que é decorrência da PGR, não estão funcionando, e jamais iriam levar adiante, com seriedade, o processo contra Bolsonaro.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, atendeu ao pedido do TSE para incluir o presidente Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news. Qual sua opinião?

Ele (Moraes) cita inúmeros crimes que o presidente da República teria cometido, em tese. A maneira como foi aberto esse inquérito foi questionada, à época (março de 2019), porque foi um inquérito aberto pelo ministro Toffoli (então presidente do STF), sem ouvir o Ministério Público, nomeando um relator diretamente, que foi o Alexandre de Moraes, sem sorteio, sem consulta. A matéria foi altamente questionada por todos os juristas. Mas acabou o Supremo por validar, pelo seu plenário, a legalidade e a constitucionalidade desse tipo de inquérito. Consequentemente, como o Supremo dá a última palavra sobre a legalidade e a constitucionalidade de atos jurídicos, esse inquérito vem a ser, digamos assim, ratificado e consolidado, apesar do seu vício de origem.

Esse debate está superado, então?

Eu acho que já está superado esse tema, apesar do seu vício de origem, que eu acho que houve. O ministro Alexandre de Moraes, tendo sido respaldado pelo Supremo, fez muito bem em aceitar o pedido de inclusão de Bolsonaro nesse inquérito, porque os crimes arrolados, os fatos que possam ser enquadrados como crimes, são inegáveis e atentam contra o Estado Democrático de Direito.

O Judiciário tem respondido à altura aos ataques que vem sofrendo?

Não. Há uma tendência, parece que houve uma paralisação, uma anestesia geral das instituições em relação a um presidente insano e irresponsável, ditatorial e criminoso. O Judiciário já poderia, em suas várias instâncias, em especial o Supremo, ter reagido à altura, mas, na maioria das vezes, reage de forma parcimoniosa.

O que o Supremo pode fazer, se a Procuradoria-Geral da República tem se mantido em silêncio ante as atitudes do presidente?

O Supremo tem meios, e eu já presenciei algumas vezes, de ultrapassar as omissões da PGR. A PGR pode muita coisa, mas não pode tudo. O Supremo tem sido conivente com o procurador-geral da República, e o procurador-geral da República não tem poderes que se esgotem em si sem que leve, qualquer matéria, não só a do Bolsonaro, ao poder Judiciário. A PGR não pune por si mesma. Ela é um instrumento de defesa da ordem democrática e está sujeita ao crivo do Judiciário. Então, há omissão também do Supremo face à PGR, que não existe. PGR não existe hoje no Brasil. O Brasil não tem Ministério Público, não tem a Procuradoria-Geral da República, nem todos os órgãos que dela dependem.

Já que a PGR não age, o que o STF poderia fazer sem cair no mesmo vício de origem do inquérito das fake news?

Teria que pressionar, e aí tem várias formas jurídicas, de pressionar a PGR a se manifestar. O Supremo pode levar uma matéria além do PGR. Pode remeter ao Conselho Superior do Ministério Público, que tem poderes que também deixaram de ser usados. Enfim, há uma maneira de atuar mais diretamente e mais incisivamente. O Supremo, junto à PGR, fazendo a pressão necessária. Está havendo aí omissão respeitosa, mas inadequada, do Supremo em relação ao procurador-geral da República.

Como avalia o atual estágio das relações entre os três Poderes?

Péssimo. Péssimo porque o Congresso Nacional não está dialogando com o Executivo, ou, quando dialoga, o faz de forma submissa. O presidente da Câmara, agora, é um aliado do presidente da República. O presidente do Senado (Rodrigo Pacheco, DEM-MG) está apenas iniciando e já com ambições políticas; o Supremo não tem participado de um diálogo bom com o Legislativo e tem engolido sapos do presidente da República. Há um momento muito ruim, da falta de diálogo. E mais: quando se fala em diálogo, se fala em submissão. Bolsonaro não se submete a diálogo nenhum, seja com o Judiciário, seja com o Legislativo. O Exército e as Forças Armadas, que estão tão ciosas da democracia brasileira, já deveriam ter colocado um freio no presidente da República. Mas, como o presidente da República está acariciando as Forças Armadas com cargos, verbas, aposentadorias, elas se verificam, de certa forma, prejudicadas na sua contenção, do seu poder moderador de conter o próprio presidente da República.

E o fato de o presidente da Repúblic
a, sem apresentar provas, fazer repetidos questionamentos sobre a lisura do processo eleitoral brasileiro?

Ele próprio sabe que são alegações falsas, alegações vãs. Sabe que o sistema eleitoral brasileiro está impermeável a qualquer tipo de fraude desde a Constituição de 88. Então, a atitude do presidente da República é uma atitude de menino que não quer entregar a bola no final do jogo porque tem medo de perder o próximo jogo.

E quanto à ameaça do presidente de que não haverá eleições em 2022 se não for adotado o voto impresso?

Isso é um atentado à democracia. E isso está entre aqueles crimes elencados pelo ministro Alexandre de Moraes ao receber o processo contra Bolsonaro, dentro do processo das fake news. Não é o melhor processo, mas o enquadramento dos crimes está sendo feito de forma adequada. Isso é um atentado do presidente da República à democracia brasileira, ele que foi eleito democraticamente por esse mesmo sistema que ele agora quer atacar. E mais: há um medo incontido, em boa parte da população, em boa parte das Forças Armadas, há um medo de Lula, há um medo do PT, há um medo das esquerdas. Isso aí é inadmissível em um Estado Democrático de Direito, onde a pluralidade de partidos e de ideias deve preponderar.

O temor da volta de Lula está por trás dessa escalada autoritária?

Sim. Mas se forem, e espero que sejam, preservados os princípios democráticos, qualquer partido que eleger seu candidato, seja da esquerda, seja de uma terceira via, tem condições, sim, de exercer democraticamente um governo.

Quais são os riscos do atual processo de politização das Forças Armadas?

Não acredito que as Forças Armadas levem a cabo qualquer projeto autoritário. Até porque se o Brasil entrar num processo antidemocrático, num regime militar, ele perderá toda a credibilidade internacional, perderá mercados internacionais, será um pária entre as democracias. As forças econômicas vão reagir, e estão reagindo. Isso não interessa ao Exército e às Forças Armadas.

Como viu a notícia de que o ministro da Defesa enviou ao presidente da Câmara um alerta de que não haverá eleições em 2022 sem o voto impresso?

É um ato autoritário, antidemocrático do ministro da Defesa. Se isso for comprovado, só tem uma maneira: é o general Braga Netto deixar o Ministério da Defesa, porque Ministério da Defesa que ameaça, através de interpostas pessoas, bilhetinhos, e recadinhos, para atemorizar o parlamento, e para atemorizar, de certa forma, o Judiciário, é inconcebível. É um ato que comprometeu já a passagem do general Braga Netto pelo Executivo, se for verdade realmente, como parece que é.

Alguns analistas dizem que o incômodo dos militares com o trabalho da Comissão Nacional da Verdade motivou um retrocesso no processo de adaptação das Forças Armadas ao Estado Democrático de Direito. Concorda com essa visão?

Eu discordo. A partir de 1988 os militares se submeteram sempre à democracia, à Constituição e aos Poderes constituídos. A Comissão Nacional da Verdade nunca foi apurada pelos militares, mas eles participaram do processo de formação da comissão, se submeteram aos seus resultados. Não foram muito cooperativos, mas a Comissão Nacional da Verdade, é bom que se diga, foi criada por lei aprovada pelo Congresso Nacional e foi objeto de extrema negociação entre todos os Poderes da República para a sua constituição e para seu funcionamento. Os militares só vieram à tona não foi com a Comissão Nacional da Verdade, ou logo após a comissão, ou qualquer outro governo, foi com a ascensão de Bolsonaro.

"PGR não existe hoje no Brasil": Gilson Dipp cobra reação de órgão quanto a ataques de Bolsonaro

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