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domingo, novembro 24, 2024

Os 200 anos do Senado Federal

Nova ferramenta permite que os cidadãos participem do processo Legislativo, não só da elaboração de proposições, como também dos debates no Senado Federal

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Em fevereiro de 2017, Irene Jucá, de Fortaleza (CE), usou a internet para apresentar uma ideia legislativa. Pelo Portal e-Cidadania, do Senado, ela sugeriu a criação de Centros de Atendimento Integral para Autistas no Sistema Único de Saúde.  No ano seguinte, a ideia foi transformada em um projeto — aprovado pelo Senado e pela Câmara — e pode se tornar lei, algo que há poucos anos seria impossível.

Na história das Constituições brasileiras, a participação popular direta do cidadão nas discussões e na criação das leis é algo recente. Foi apenas na Constituição de 1988 que essa participação ganhou previsão expressa e, no Senado, o processo de participação da população evoluiu para garantir que os cidadãos tenham acesso a ainda mais meios para atingir direitos que hoje são previstos na Constituição, como a iniciativa de projetos de lei. A Casa é reconhecida internacionalmente como exemplo por seu programa de participação popular.

— Nós já fomos convidados para apresentar o programa e-Cidadania em eventos no Congresso norte-americano, no Parlamento Europeu e em outros eventos que aconteceram em outros parlamentos, em organizações. Isso mostra a relevância e o reconhecimento do trabalho que o Senado tem feito em relação à participação popular — disse Alisson Bruno, coordenador do programa.

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E-Cidadania: ferramenta permite que cidadãos proponham leis e se manifestem sobre sugestões e projetos Leonardo Sá/Agência SenadoFonte: Agência Senado

O e-Cidadania permite que os cidadãos façam parte do processo Legislativo e participem não só da elaboração de proposições, como também dos debates que ocorrem no Senado, além de opinar sobre projetos em tramitação na Casa. Mas nem sempre foi assim. Desde a primeira Constituição brasileira, a imperial de 1824, quando a eleição para o Parlamento ocorria de forma indireta e com exigência de renda para o eleitor, até os dias atuais, muitas foram as mudanças. O marco do início desse processo foi a Carta Magna atual. 

— Podemos dizer que a Constituição de 1988 efetivamente marca uma linha divisória no que diz respeito à participação social direta dos cidadãos nas políticas públicas. Antes da Constituição de 1988, praticamente não havia previsão expressa de participação popular direta dos cidadãos nos negócios públicos em termos constitucionais, mas apenas de forma indireta, em especial por intermédio de representantes eleitos para os Poderes Executivo e Legislativo — explicou o consultor legislativo Fernando Trindade.

O consultor lembrou que as restrições ao voto, por exemplo, estiveram presentes em todas as Constituições anteriores. Além de renda mínima, exigida até 1881, havia, por exemplo, a exigência de alfabetização para que as pessoas pudessem votar, regra que só foi alterada em 1985, com a Emenda Constitucional 25.

Direito de Petição

Antes da Constituição Cidadã, de acordo com o consultor, o que havia eram “antecedentes” dessa participação. O mais frequente deles, presente desde a Constituição Imperial de 1824, é o direito de petição, que aparece nas constituições seguintes, com algumas alterações. Por essa regra, todo cidadão pode apresentar por escrito ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo reclamações, queixas ou petições. (Veja a linha do tempo ao final da matéria).

— A Constituição de 1988, como as anteriores, também inscreveu o direito de petição. Todavia, o direito de participação direta dos cidadãos nos negócios públicos foi reconhecido de forma inédita, atravessando todo o texto constitucional e indo muito além do que até então haviam estabelecido as Constituições anteriores — explicou Trindade.

Antes mesmo da Assembleia Nacional Constituinte, o Senado, antecipando-se à instalação, criou, em 1986, o projeto Constituição — A Voz do Cidadão, que procurou mobilizar a sociedade em torno do processo. Para isso, colocou à disposição, nas agências dos Correios de todos os municípios do Brasil, 5 milhões de formulários para envio de sugestões aos constituintes. Foram recebidas mais de 72 mil cartas com essas sugestões.

Já na sua elaboração, a partir de 1987, a atual Constituição trouxe várias inovações no que diz respeito à participação dos cidadãos. O processo de elaboração foi marcado por expressiva participação popular, com audiências públicas e com a apresentação formal de emendas populares de iniciativa de movimentos sociais.  No total, foram apresentadas 122 emendas populares, e várias delas foram aprovadas no texto, como a que prevê os mecanismos de democracia direta: iniciativa popular de lei, plebiscito e referendo.

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Constituinte de 1988 foi marcada pela participação popular em audiências públicas e na apresentação de emendas (Arquivo da Câmara dos Deputados)

Iniciativa popular

Pela Constituição, a população pode apresentar projetos de lei. Foi assim que surgiu, por exemplo, Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135, de 2010). Um projeto de lei de iniciativa da população tem que ser assinado por, no mínimo, 1% dos eleitores do Brasil, distribuídos por pelo menos 5 estados, com o número de eleitores em cada um deles não inferior a 0,3%. Atualmente, isso significa que, pelo menos 1,56 milhão de pessoas precisa assinar um projeto desse tipo.

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Projeto da Lei da Ficha Limpa teve mais de 1,5 milhão de assinaturas e foi apreciado pelo Congresso Nacional (foto: Rodolfo Stuckert/Câmara dos Deputados)

Essa realidade começou a mudar em 2012, com o e-Cidadania, criado pelo Senado. Com o programa, qualquer cidadão pode apresentar não um projeto, mas uma ideia legislativa pelo Portal e-Cidadania na internet ou ligando para a Ouvidoria do Senado (0800 61 2211).  A ideia fica disponível no portal e, caso consiga 20 mil apoios on-line no prazo de quatro meses, se transforma em sugestão legislativa e é encaminhada para análise da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). 

Isso significa que a ideia legislativa é uma forma de fazer com que as propostas dos cidadãos possam chegar a quem tem o poder, garantido pela Constituição, de apresentá-las como projeto (a comissão). Mesmo quando uma ideia não alcança os 20 mil apoios necessários, a visibilidade no portal pode trazer benefícios. 

— Essa ideia pode, sim, ter mais chance de ser transformada em projeto de lei. Mesmo as ideias com poucos apoios ou até mesmo nenhum apoio podem ser adotadas pelos senadores e transformadas em projetos, como já aconteceu. Então hoje é muito mais fácil você apresentar uma ideia para o Parlamento e essa proposta tramitar como um projeto de lei — explicou Alisson Bruno.

Todo autor de ideia legislativa que alcança 20 mil apoios é convidado a elaborar um testemunho. Esse relato reúne mais detalhes sobre a ideia e pode trazer informações relevantes para orientar o senador relator da sugestão na elaboração de seu parecer. Caso seja aprovada, a sugestão se torna um projeto de lei feito com base na ideia, mas apresentado como projeto da comissão, hipótese prevista na Constituição.

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Ideias de sucesso

Foi assim, com uma ideia legislativa, que Irene Jucá conseguiu ter um projeto aprovado pelo Senado e depois pela Câmara dos Deputados. Mãe de Letícia, uma jovem autista, Irene apresentou uma ideia que havia sido elaborada em conjunto com outras mães de Fortaleza, para propor uma mudança de legislação. De acordo com a ideia, o Sistema Único de Saúde (SUS) deveria oferecer, em um mesmo lugar, todas as terapias necessárias para crianças e jovens autistas.

Após a apresentação, Irene e as outras mães enviaram mensagens a conhecidos e foram às ruas para pedir apoio à causa. Alcançaram os 20 mil apoios necessários e, com isso, a ideia legislativa foi transformada em sugestão legislativa (SUG 21/2017), aprovada pela CDH na forma do Projeto de Lei do Senado (PLS) 169/2018. Aprovado na Casa, o projeto foi enviado à Câmara, onde também conseguiu a aprovação com mudanças (PL 3.630/2021).

O substitutivo da Câmara estabeleceu que a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com Transtorno de Espectro Autista será ofertada por meio dos Centros Especializados de Reabilitação da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (RCPD). Agora, cabe ao Senado decidir sobre essas mudanças. Caso o texto seja aprovado, o projeto de Irene pode ser o primeiro proveniente de uma ideia legislativa a virar lei.

— Nós estamos plantando tâmaras. Temos esperança de dias melhores para tantas pessoas que precisam do tratamento — disse Irene ao falar sobre a ideia, em 2023.

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Irene Jucá e a filha Letícia: sugestão apresentada por meio do portal e-Cidadania tramita como projeto de lei Arquivo pessoalFonte: Agência Senado

Desde o lançamento do programa, 221 sugestões legislativas originadas de ideias cadastradas no Programa e-Cidadania foram encaminhadas para a CDH. Além do projeto proveniente da ideia de Irene, outras 36 sugestões se tornaram projetos de lei, como o PL 4.399/2019, que inclui a fibromialgia no rol de doenças dispensadas de carência para o recebimento de benefícios do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez. O projeto foi o primeiro oriundo de uma ideia legislativa a ser aprovado pelo Senado, em fevereiro de 2020. Agora, o texto aguarda análise da Câmara dos Deputados.  

Interatividade em eventos

Mas não só de proposições vive o Parlamento. As audiências públicas e sabatinas de autoridades fazem parte do dia a dia do Senado e, em 2013, foi aberta a possibilidade de que cidadãos participassem mais ativamente desse tipo de evento legislativo. Assim como ocorre no cadastramento de ideias legislativas, os cidadãos podem enviar perguntas e comentários para esses eventos.

— Agora o cidadão pode participar ativamente, de forma facilitada, sem essa necessidade de incentivo formal direto do Parlamento. A participação é praticamente ampla e irrestrita, quase todas as pessoas no país podem participar de diversas etapas do processo legislativo, tanto pela internet quanto pelo telefone. Isso dá muito mais acessibilidade e imediatismo à participação — comemorou o coordenador do programa.

Para ele, a participação se tornou parte do processo legislativo e os parlamentares adotaram como prática ouvir a população e considerar suas sugestões.

Hoje, palestras, seminários e sessões de debates temáticos que ocorrem no Senado também têm sido interativos. As perguntas e comentários enviados pelos cidadãos podem ser lidos ao vivo pelos senadores durante os eventos. Além de interagir com os sabatinados e participantes da audiência, os cidadãos recebem uma declaração de participação, que pode ser apresentada, por exemplo, nas universidades.

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De acordo com levantamento do e-Cidadania, o evento interativo com maior índice de participação popular ao longo dos 11 anos de existência desse instrumento foi o debate sobre a extinção e redistribuição do terrenos de Marinha  (PEC 3/2022). A audiência pública, feita em maio de 2024 contou com 5.065 manifestações cadastradas pelos cidadãos.

Outros eventos com grande participação popular por meio da ferramenta Evento Legislativo foram o debate sobre transparência no Sistema “S”, em 2018, com 2.430 manifestações cadastradas; o debate sobre a eficiência do passaporte sanitário no enfrentamento da pandemia, em 2022, com 2.103 participações; a audiência com o então ministro da Justiça Sérgio Moro sobre a notícias relacionadas à Operação Lava Jato, em 2019, com 2.099 manifestações cadastradas; e a sabatina do ministro Alexandre de Moraes para o Supremo Tribunal Federal, em 2017, com 1.976 perguntas de cidadãos.

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Audiência pública sobre terrenos de Marinha: evento interativo com maior participação por meio do portal e-Cidadania Waldemir Barreto/Agência SenadoFonte: Agência Senado

Opinião sobre projetos

A ferramenta da Consulta Pública também foi criada em 2013. Todas as proposições em tramitação no Senado podem ser votadas pelos cidadãos via Portal e-Cidadania. O link para que o cidadão opine está disponível na página de cada proposição.

Caso o interessado não tenha em mente uma proposição específica sobre a qual queira opinar, é possível ver, na página da Consulta Pública, no Portal e-Ciadadania, as proposições mais votadas do dia e também fazer uma busca em todas as proposições, com filtros por autor, número, ano e tipo de proposição.

Em julho, antes do recesso parlamentar, duas proposições vinham recebendo grande quantidade de votos dos cidadãos:  o PL 2.338/2023, que dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial, e a PEC 48/2023, que insere na Constituição a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

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Oficina Legislativa

Além das três primeiras ferramentas instituídas pelo programa, foi inaugurada em 2020 uma nova forma de incentivar estudantes a participar do processo legislativo brasileiro: as Oficinas Legislativas. A iniciativa pretende estimular os alunos a refletir sobre a sua realidade e apresentar ideias legislativas. O projeto pode ser realizado tanto em ambiente presencial quanto virtual e o material didático está disponível no Portal.

Mais de 2 mil ideias foram elaboradas em oficinas legislativas. São oferecidas modalidades para os ensinos fundamental, médio e superior, e educação inclusiva, sendo esta a mais recente, instituída em 2022, com atendidos da Associação Pestalozzi de Brasília.

Histórico constitucional

O direito dos cidadãos de participar da vida pública existe desde a primeira Constituição brasileira, ainda que de forma mais limitada. Mas esse direito evoluiu ao longo do tempo, como detalha a linha do tempo a seguir.

Participação popular nas Constituições:

CONSTITUIÇÃO IMPERIAL, 1824

Direito de petição

Pelo texto, o cidadão poderia apresentar ao Legislativo e ao Executivo reclamações, queixas, ou petições, além de expor infrações e requerer à autoridade a efetiva responsabilização dos infratores.

1ª CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA, 1891

Direito de petição

De acordo com o texto, era permitido representar ao poder público, por meio de petição, para denunciar abusos das autoridades e promover a responsabilidade dos culpados.

CONSTITUIÇÃO DE 1934

Direito de petição

Era permitido aos cidadãos fazer petição ao poder público para denunciar abusos das autoridades e pedir que fossem responsabilizadas.

Esclarecimento dos cidadãos

A Constituição previa que a lei deveria assegurar e a expedição das certidões requeridas pelos cidadãos para a defesa de direitos individuais ou para o esclarecimento sobre negócios públicos.

CONSTITUIÇÃO DE 1937

Direito de petição

Era garantido aos cidadãos o direito de representação ou petição perante as autoridades em defesa de direitos ou do interesse geral.

CONSTITUIÇÃO DE 1946

Direito de petição

O texto assegurava a todos o direito de representar por meio de petição contra abusos de autoridades para que pudessem ser responsabilizadas.

Plebiscito

Era prevista a possibilidade de que a população se manifestasse por meio de plebiscito em caso de incorporação, divisão ou desmembramento de estados.

CONSTITUIÇÃO DE 1967

Direito de petição

Era assegurado a qualquer pessoa o direito de representação e de petição ao poder público em defesa de direitos ou contra abusos de autoridade.

CONSTITUIÇÃO DE 1969

Direito de petição

Ao repetir o texto da Constituição anterior, a Lei Maior de 1969 assegurou a qualquer pessoa o direito de representação e de petição ao poder público em defesa de direitos ou contra abusos de autoridade.

CONSTITUIÇÃO DE 1988

Direito de petição

A atual Constituição assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição ao poder púbico em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

Plebiscito

Pelo texto constitucional, o plebiscito é uma das formas pelas quais será exercida a soberania popular. Nesse tipo de consulta, a população se manifesta antes da edição de um ato. Um exemplo foi o plebiscito de 1993, em que a população decidiu pelo presidencialismo como sistema de governo, e recusou o parlamentarismo.

Referendo

O referendo também é uma das formas de exercer a soberania popular. Nesse tipo de consulta, a população de manifesta depois da edição de um ato, para ratificar ou não a questão colocada para a sua avaliação.

Iniciativa popular de leis

Pelo texto, a população pode apresentar projetos de lei à Câmara dos Deputados. Cada texto deve ser subscrito por pelo menos 1% do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles. Também há previsão de iniciativa popular de projetos de lei municipais, com manifestação de pelo menos 5% do eleitorado.

Trabalhadores e empregadores

A Constituição assegura a participação de representantes das duas categorias em colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.

Participação do usuário+

A Constituição determina a regulamentação, em lei, das formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, especialmente no que diz respeito às reclamações sobre a prestação dos serviços públicos, ao acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, e à representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função pública.

Conselho da República

O conselho, órgão superior de consulta do presidente da República, inclui não só autoridades do Executivo e Legislativo, mas também seis cidadãos brasileiros natos, com mais de 35 anos de idade. Os mandatos são de três anos.

Participação da sociedade

Essas formas de participação estão previstas em vários artigos da Constituição que tratam, por exemplo, da participação de cidadãos na política agrícola, na formulação de políticas sociais, na Seguridade Social, no Sistema Único de Saúde (SUS) e nas políticas culturais.

Fonte: Agência Senado

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